terça-feira, 28 de julho de 2009

Crônica da lua


Há muitas e belas fotos disponíveis nesses dias em que se comemoram os 40 anos da chegada do homem à Lua. Escolhi esta que é parte de um álbum acessível pelo endereço http://www.boston.com/bigpicture/2009/07/remembering_apollo_11.html .

A menina da imagem acima é mãe do cidadão norte-americano que publicou a foto na Wikipédia. De acordo com ele, a garota foi fotografada pelo pai em 21 de julho, enquanto supostamente lia a matéria do Washington Post sobre o feito heróico. Tinha, então, entre 10 e 12 anos. Hoje teria por volta de 50. Talvez até já seja avó - o que me leva a escrever sobre a efeméride lunar a partir do ângulo da passagem do tempo para nós outros de pés quase sempre ao chão: nem astros do céu, nem estrelas da corrida espacial.

Afirmam os cientistas que no decorrer de uma viagem muito longínqua o tempo transcorreria de maneira assimétrica no espaço e na terra. Esse descompasso manteria os astronautas praticamente inalterados, enquanto, aqui, eras se passariam, sepultando gerações e tornando o cenário absolutamente irreconhecível para os viajantes.

A hipótese integra a teoria da relatividade, mas é descrita nesta crônica com a imprecisão típica dos poetas. A mesma hipótese deu base ao roteiro de O Planeta dos Macacos, antigo sucesso do cinema e da TV. Tratado por coordenadas científicas, pelo arroubo dos poetas ou pela melancolia do chamado cidadão comum, o tempo é dado a chicanas e avaliações desconcertantes.

Desafiador, portanto, é aquilatar o significado desses 40 anos?

Acredito que as quatro décadas em evidência tem valor diferente, segundo se examine o período em termos da evolução histórica ou segundo se coteje o que aconteceu com Armstrong, Aldrin e Collins, os três tripulantes da Apolo 11. Outros valores teriam, igualmente, fossem examinados os destinos das testemunhas televisivas do evento ou dos que se inteiraram daqueles fatos ao longo dos anos - as novas gerações.

Para alguns de nós, que já havíamos acordado para a vida em 20 de julho de 1969, 40 anos podem ter passado “voando”, ou num lento cortejo. No caso da maioria, a sensação de préstito é provavelmente a mais comum. São, grosso modo, 14.600 dias, 350.400 horas . Muito foi feito, dito, pensado e sentido nesse intervalo. Houve bastante tempo para desejar, agir, sorrir, sofrer. Bastante tempo para cismar frente à imensidão e incerteza, inclusive com a lua a boiar no firmamento apenas de leve arranhado pelos foguetes e naves terráqueas.

A História, deixo aos historiadores. Minha curiosidade acerca da equipe serenamente comandada por Armstrong, ainda hei de satisfazer. E cada um que faça sua própria avaliação do quanto realizou ou deixou de realizar nesse intervalo. Mais importante: do quanto viajou e cresceu interiormente. Mal ou bem, mesmo antes de encerrada a conquista espacial, que agora segue em direção a Marte, não deixamos de empreender a jornada recomendada à época pelo poeta Carlos Drummond de Andrade. Referindo-se à febre em torno da esfera extraterestre, ele escreveria que ao homem, afinal, restaria apenas “a dificílima, dangerosíssima viagem de si a si mesmo”. (Leia em http://solangef.wordpress.com/2008/02/09/carlos-drummond-de-andrade-o-homem-as-viagens/ .

O que posso dizer é que a jornada tem sido de fato “dangerosíssima”, no que diz respeito à minha evolução social, psíquica e cultural. Talvez intuisse esses perigos, aoa temer tanto pela sorte do Planeta Terra ante a ousadia do homem em lançar-se ao cosmos. Aos oito anos, temia especialmente, e de uma maneira muito ansiosa, que o céu caísse sobre nossas cabeças – e não estava só. Mas isso, obviamente, justificava-se pela minha natureza inquieta e imaturidade de garoto interiorano. Hoje, ainda pipocam céticos renitentes à idéia do pouso lunar, como se nem aviões houvesse no ar, ou a estação espacial fosse uma quimera.

Minhas fantasias catastróficas, agora recordo, me levaram a sonhar que os astronautas tinham pisado o lácteo solo da lua. O temerário ato fizera despencar a abóbada celeste como se fossem painéis de madeira. Eu podia até sentir o peso dos pedaços sobre meu peito. Quando acordei, o que pesava era Zanata, o gato que havia pulado na cama em busca de atenção.

Um alívio! Só que o céu despencou várias vezes sobre minha cabeça durante os 40 anos seguintes. Hoje vejo: o medo de um dia me perder para sempre no espaço infinito era o medo da própria trajetória em direção ao futuro. Eu mal podia imaginar os dilemas gigantescos que enfrentaria em campos como espiritualidade, ideologia, ética, sexualidade, tudo dependente de uma desfavorável constelação familiar.

De maneira inevitável veio o futuro, a incerteza, a sensação de vácuo. Inevitavelmente, tive que enfrentar cada "não" e buscar meu espaço no mundo; encarar humilhações, brigar por poder, apostar que estava certo, quando as pessoas em volta diziam o quê e o quanto cabia a mim. Agora, inevitavelmente, está vindo a maturidade e, em algum momento, “a indesejada das gentes”, no dizer de Bandeira.

Ainda assim, a comemoração da bem-sucedida aventura da lua não me trouxe melancolia nem saudosismo. Gostei apenas de lembrar daqueles tempos, e de sentir que os três astronautas da missão ainda são meus heróis - eu que já tirei do panteão uma dezena deles e me descobri um iconoclasta à beira do abismo nietzschiano.

Parece-me que destaco os tripulantes da Apolo 11 de toda a porcaria já produzida pelos Estados Unidos e creio, de verdade, no pequeno passo para homem, no grande passo para a humanidade. De alguma forma, tendo a acreditar que eles foram lá “em paz” por todos nós.

As alturas do ar, no entanto, nunca me fizeram muito bem. Só o desejo de conhecer a Europa, e os próprios Estados Unidos, me levaram a circular por aí, a oito mil pés. Como Borges, considero que ir até a padaria já é uma viagem espacial. E não me importo em me contentar com isso. Entre meu apartamento e a Pão Dourado, ou a Santo Antônio, viajo um bocado.

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