terça-feira, 3 de abril de 2012

Heleno – Mais um gol perdido pelo cinema brasileiro



A biografia-ficção ‘Heleno, o Príncipe Maldito’ é uma daquelas boas ideias que têm potencial apenas superficialmente aproveitado pelo cinema brasileiro, sempre às voltas com problemas de roteiro, ritmo, diálogos e montagem.
O personagem e sua história são muito interessantes, mas o filme, de R$ 8,5 milhões, não nos permite mergulhar junto com o astro do Botafogo na sua tragédia pessoal, contraponto de uma carreira curta e tumultuada, mas em grande parte gloriosa.
Apesar de algumas cenas fortes, a película nos mantém à distância a maior parte do tempo, embora não por intenção dos realizadores, mas por inabilidade mesmo. Privados do auto-engano a que chamamos de suspensão temporária da verdade, nem a incrível transformação de Rodrigo Santoro no Heleno decadente nos põe dentro do filme, deixando a suspeita de que o diretor igualmente ficou de fora. Talvez alguém menos conhecido nos livrasse da constatação periódica de que estamos vendo o nosso premiado ator - e não o dândi controvertido da era anterior a Pelé. A montagem coopera para nos distanciar emocionalmente da história, já que as idas e vindas roubam muito do suspense, ainda que tratemos de fatos de conhecimento público.
O efeito pretendido com a escolha do preto e branco até ajuda a criar o clima de volta ao passado, e funciona bem como metalinguagem, já que o trecho mais importante da trajetória de Heleno se desenvolveu no alvinegro de General Severiano. Ainda assim, é pouco para um filme que pretende nos apresentar a vida daquele que é considerado o primeiro craque-problema do futebol brasileiro.
Falta um pano de fundo, informações sobre o ambiente familiar de Heleno, e o que ocorreu até o jogador, galã e fumante compulsivo, ser flagrado pelas câmeras do diretor José Henrique Fonseca em cenas de amor com belas mulheres e lenços empapados de éter. Ele então já apresentava os primeiros sintomas da sífilis que, na vida real, o mataria em 1959.
Para não deixar o espectador totalmente perdido, há um telefonema da mãe cobrando a escolha de “uma boa esposa” e a lembrança de uma canção de ninar. Essa recordação está, aliás, sujeita a duas interpretações cruciais: anteciparia o destino do filho ou fundaria seu caráter. É nesse ponto que o roteiro, ou sua execução, embolam o meio de campo, ao cruzar perigosamente a linha entre realidade e ficção.
Heleno, o personagem, relembra que o pai costumava embalá-lo ao som de Nature Boy, composta por Eden Ahbez e publicada em 1947. Teria sido um achado, mas a saída para explicar o explosivo temperamento do biografado falha quando nos damos conta de que o ídolo nasceu em 1920. Assim, provavelmente foi ninado até os cinco, seis anos. Não há contemporaneidade alguma entre a infância de Heleno e o surgimento da canção – até para justificar uma liberdade poética.
Além disso, o recurso mostra-se frágil porque a música irrompe de forma descontextualizada , como uma senha para iniciados. É um desses cacos tão ao gosto de cineastas ávidos por firulas e pouco dispostos ao que é básico para um resultado convincente entre as quatro linhas da tela de projeção.
Mesmo tendo sido gravada por Caetano Veloso no álbum Totalmente Demais Ao Vivo, e numa versão em Português por Ney Matogrosso, Nature Boy não é exatamente conhecida de um público mais amplo, que teria de entender a menção a um ‘strange, enchanted boy’ (rapaz estranho e encantador).
O que parece é que o diretor buscou identificar o caráter autêntico do personagem da música à bravura indômita do jogador. Ocorre que o nature boy da canção é tímido, sossegado e prega como valor essencial da vida o dar e receber amor. Heleno era um ególatra agressivo e buscava, na visão expressa pelo roteiro, apenas receber amor. O máximo que dava era prazer sexual.
A canção é utilizada inclusive como o mote de uma entrevista subhollywoodiana, que não se sabe se ocorreu de verdade, na qual o jogador fala pouco do esporte que o notabilizara, e sim de suas extravagâncias, pedindo ao final para cantar ele próprio a música. Essa sequência tem ainda outra derrapagem forte, provocada pela locução pouco convincente do entrevistador, que não sustenta a emissão gutural típica dos anos 40/50.
Outra fraqueza do filme é percorrer os descaminhos de Heleno por um submundo emocional de aventuras amorosas e consumo de drogas, tangenciando a carreira futebolística, e desta omitindo informações importantes. Restam aquelas breves cenas de jogos e treinos, que não dão a mais pálida ideia do que transformou Heleno em personagem de um filme milionário. Sem o brilhantismo e a genialidade em campo, ele seria mais um playboy flanando pela praias do Rio.
É claro que enveredar pela degradação moral e física do ídolo evitou o complicado, mas necessário, trabalho de pesquisa e produção na seara do futebol. A saída? Inflar o filme com cenas de um viciado, relegando seu gênio como jogador – quem sabe a única virtude de Heleno – praticamente a meras afirmações no correr dos diálogos.
Em suma, José Henrique Fonseca teve uma boa oportunidade para marcar, mas chutou na trave.

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